"Contam os antigos, que Oxalá saiu um dia percorrendo as terras de seu reino e dos reinos de seus filhos, Xangô, Oxossi, Ogum, para saber como vivia o povo, na intenção de corrigir injustiças e castigar os maus. Para não ser reconhecido, cobriu o corpo com trapos de mendigo e partiu a perguntar. Não percorreu muito caminho: acusado de vadiagem, levaram-no preso e o espancaram. Por suspeito, meteram-no no xilindró, onde, ignorado, viveu anos inteiros, na solidão e na sujeira.
Um dia, passando por acaso defronte da mísera cadeia, oxóssi reconheceu o Pai desaparecido, dado por morto. Libertado às pressas, cercado de honrarias, antes de retornar ao palácio real, foi lavado e perfumado. Cantando e dançando, as mulheres trouxeram água e bálsamo e o banharam; as mais belas aqueceram-lhe o leito, o coração e as partes.
Oxalá aprendeu em carne própria as condições que o povo vive no reino dele e dos filhos; aqui e lá e em toda parte, campeiam o arbítrio e a violência, regras da obdiência do silêncio: trouxe as marcas no próprio corpo. As águas que apagam o fogo e lavam as chagas, vão apagar o depotismo e o medo, a vida do povo vai mudar: empenhou sua palavra, pôs em jogo seu poder de rei. Essa é a história das águas de Oxalá, passou de boca em boca, atravessou o mar e assim chegou à nossa capital baiana: muita gente que acompanha a procissão, carregando potes e moringas com água-de-cheiro para lavar o chão da Igreja, não sabe por que o faz. Fiquem vocês sabendo e passem adiante, aos filhos e aos netos quando os tiverem: a história é bonita e contém ensinamento.
Oxalá não conseguiu mudar a vida do povo, é fácil conferir. Ainda assim deve-se reconhecer que nenhuma palavra pronunciada contra a violência e a tirania é vã e inútil: alguém ao ouvi-la pode superar o medo e iniciar a resistência "
Um dia, passando por acaso defronte da mísera cadeia, oxóssi reconheceu o Pai desaparecido, dado por morto. Libertado às pressas, cercado de honrarias, antes de retornar ao palácio real, foi lavado e perfumado. Cantando e dançando, as mulheres trouxeram água e bálsamo e o banharam; as mais belas aqueceram-lhe o leito, o coração e as partes.
Oxalá aprendeu em carne própria as condições que o povo vive no reino dele e dos filhos; aqui e lá e em toda parte, campeiam o arbítrio e a violência, regras da obdiência do silêncio: trouxe as marcas no próprio corpo. As águas que apagam o fogo e lavam as chagas, vão apagar o depotismo e o medo, a vida do povo vai mudar: empenhou sua palavra, pôs em jogo seu poder de rei. Essa é a história das águas de Oxalá, passou de boca em boca, atravessou o mar e assim chegou à nossa capital baiana: muita gente que acompanha a procissão, carregando potes e moringas com água-de-cheiro para lavar o chão da Igreja, não sabe por que o faz. Fiquem vocês sabendo e passem adiante, aos filhos e aos netos quando os tiverem: a história é bonita e contém ensinamento.
Oxalá não conseguiu mudar a vida do povo, é fácil conferir. Ainda assim deve-se reconhecer que nenhuma palavra pronunciada contra a violência e a tirania é vã e inútil: alguém ao ouvi-la pode superar o medo e iniciar a resistência "
Jorge Amado, O Sumiço da Santa.